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O custo-Ricardinho

Sei que o Atlético tem vários problemas. Sei que várias reclamações que vários atleticanos diferentes fazem têm fundamento e que os vários problemas do Atlético se misturam e fazem o time jogar mal, absurdamente mal, como jogou hoje contra o Internacional. Mas vou me dar o direito de ignorar todas os diversos tipos de falhas e problemas do Atlético e atribuir tudo de mau que nos aconteceu recentemente a um único elemento: Ricardinho. Breve história do campeonato atleticano O campeonato começou com o Atlético jogando bonito e vencendo com facilidade os inimigos, com um time leve, que passava a bola rápido, jogava no contra-ataque, um ataque rápido, toques rápidos ou enfiadas de bola dos volantes faziam com que Tardelli e Éder saíssem na cara do gol a todo instante e tudo era felicidade.

Mas aí vieram os problemas, aos poucos: o time não conseguia utilizar toda a sua rapidez contra adversários muito fechados. Dessa maneira veio o empate contra o Santo André, o empate com o Botafogo, o empate contra o Vitória, uma vitória suada contra o Fluminense (que jogou fechado no Mineirão), a derrota catastrófica para um Goiás que nem encostou na bola direito. E a derrota para o Flamengo no Maracanã.

Nessas, inventaram que o Atlético ia mal contra times fechados porque não sabia tocar a bola, tocar a bola de lado, “procurando um espaço”, faltava ao Atlético, diziam, uma figura centralizadora, que parasse o jogo, parasse a correria, distribuisse com inteligência a bola, para que o Atlético furasse a defesa adversária com inteligência e paciência, e não com correria como vivia tentando. Inventaram isso, e começaram a acreditar - acho que todas as pessoas começaram a acreditar, inclusive o Celso Roth e eu mesmo.

E onde estava a solução: no camisa 10.

A paciência ricardiana

Jamais apreciei a idéia fixa que havia (e talvez, infelizmente, ainda haja) na cabeça da maioria dos torcedores do Atlético, de que um time só é bom quando tem um “camisa 10”, cujas características são conhecidas por todos: tem o poder mágico de arrumar o meio-de-campo, dar criatividade ao time, lançar a bola e passá-la com plasticidade e leveza e resolver todos os problemas; mas cujos exemplos no futebol brasileiro e mundial são muito escassos. Essa fixação, creio eu, não é um fenômeno natural: é conseqüência direta do imbróglio Ziza-Gallardo do ano do centenário. Foi lá que inventaram esse negócio de camisa 10 e aí ficou nessa até recentemente (ou até agora). O próprio presidente do Atlético, Alexandre Kalil, disse em entrevista concedida antes de contratar Ricardinho que o único exemplo que era apontado quando se perguntava sobre quem poderia ser o tal camisa 10 que a torcida tanto queria era Ricardinho. Ricardinho, Ricardinho, Ricardinho. O nome se confunde com o número da camisa. Ricardinho, essa entidade mística, pirilâmpica e luminosa que transforma times rápidos e burros em times inteligentes.

E trouxeram o tal camisa 10. O único exemplar vivo e o único que a torcida aceitaria: Ricardinho. E ele foi saudado exatamente como a solução para o problema da correria. Ricardinho era a expressão da “paciência”.

Segue a história

Se esqueceram, porém, que a inteligência de Ricardinho não era gratuita. Ela nos era dada em troca da velocidade, da leveza do time, dos passes rápidos, das enfiadas de bola, da correria que confundia o adversário, das jogadas que surgiam sem que os próprios jogadores soubessem como. As jogadas do Atlético pararam de surgir naturalmente. Agora teriam que partir todas elas da cabeça da mente pensante centralizada: Ricardinho.

Mas isso era secundário. Agora o problema principal estava resolvido: havia o camisa 10 e poderíamos “passar a bola” e “encontrar um espaço”.

As vitórias vieram de novo. Contra Barueri e Santos, que foram times abertos, o Atlético jogou sem seu camisa 10 e foi muito bem. Contra São Paulo, jogou na retranca, e aí funcionou a paciência ricardiana. E contra Vitória o Atlético passou a bola, passou a bola, passou a bola o jogo inteiro e conseguiu fazer um mísero gol, contra um time atestadamente ruim, e justamente numa jogada de velocidade louca e não-pensada que não contou com a participação de Ricardinho.

E aí Ricardinho passou a ser o centro do time. E simultaneamente a coisa desandou. Fluminense, Flamengo, Coritiba e Internacional. Ricardinho, por melhor jogador que seja (perceba: eu jamais diria que se trata de um mal jogador, pelo contrário), não consegue, sozinho, pensar em tudo, arrumar espaços onde não se pode arrumar, com o time todo lento e parado. O time joga em função dele, e por isso está parado, sempre parado, morto. E não há espaço que apareça. É por isso que perdemos jogos em que dominamos completamente a bola: dominamo-la, mas não há mais o que fazer com a bola, porque as jogadas loucas da correria não saíam mais, porque não havia correria, porque tudo o que se deve fazer quando se tem um camisa 10 no time é tocar para o camisa 10. E passar a bola. Passar a bola, passar a bola.

Os times fechados

A coisa desandou com Ricardinho, é certo, porque o Atlético não consegue vencer times fechados. Os que discordarem de meu ponto vão lembrar que o time sem Ricardinho - que era outro time, era a correria e tal - também não conseguia vencer adversários fechados. É verdade. Mas deve-se levar em conta não só o resultado final, mas as chances, porque futebol não é exato, mas também não é aleatório, é probabilístico: em um duelo entre dois times, um bom e um ruim, não se pode afirmar que o bom vai vencer, mas se pode ter quase certeza de que, em se jogando 10 vezes, o time melhor vencerá mais de 5 partidas, só pra dar um exemplo.

Então a pergunta é: o time antigo do Atlético, aquele que perdeu para aquele Goiás retrancado até a alma no Mineirão, era ou não era melhor do que o atual, que perdeu, pelo mesmo placar para o incrivelmente retrancado Internacional no Mineirão? E a resposta é: Era. O time antigo, o time da correria e da burrice, o time sem camisa-10-pensante, era melhor. Eu sei disso, você sabe disso, toda a torcida sabe disso. Naquela ocasião [http://www.youtube.com/watch?v=SvY9G3975MA] a torcida não vaiou o time como o fez contra o Internacional, e isso é a indicação de que a torcida preferia aquele time, e de que aquele era um time melhor do que o atual e também melhor do que o Goiás, mesmo tendo perdido - o que não se pode dizer do time atual em relação ao Internacional. O total de chances criadas naquele jogo por aquele time, criadas quase que sem se saber por que, tudo no meio da correria, é a prova de que o time antigo era melhor. É a prova de que um time orientado para tocar a bola para o camisa 10 não funciona.

Soluções possíveis

Sei que não há mais tempo de salvar o ano, mas como mesmo que houvesse tempo de nada adiantaria eu escrever aqui qualquer sugestão, vou escrever mesmo assim e quem sabe fica aí pro próximo ano, ou quem sabe fica aí só pra eu e mais meia dúzia lermos e fim.

É certo que o Atlético não pode continuar jogando assim como está. A velocidade tem que voltar. Tem que voltar a correria e a loucura (não que Ricardinho deva ser mandado embora, apesar de eu achar essa uma boa idéia, mas ele precisa ser reposicionado no time). Então como fica o problema do furo da retranca adversária?

Perguntando a quem sabe mais de futebol do que eu, arranjei duas soluções possíveis:

(a) chutar de fora da área: ora, o Atlético tem vários pretensos chutadores de longa distância: o próprio Ricardinho, Evandro, Corrêa, Tardelli, Éder e até o Jonílson. Mas não chuta. Não entendo o porquê disso. Até vinha chutando em algumas partidas aí, mas parou, e a parada coincide mais ou menos com as partidas de nosso maior desgosto (essas últimas aí). O Flamengo só faz gol chutando de fora da área ou em jogada individual, não tem uma jogada coletiva (ou pelo menos não teve nos jogos que eu vi: contra Barueri, Atlético e Náutico).

(b) correr no fundo e cruzar pro meio da pequena área: essa é a melhor jogada do futebol, funciona quase sempre, é muito melhor do que os cruzamentos normais que se vê pedir pelas arquibancadas do Mineirão, é bela de se ver e, creio, fácil de se fazer. Mas é fácil só pra quem está acostumado a ela. Em várias oportunidades hoje mesmo contra o Internacional nossos jogadores poderiam tê-la feito, Corrêa, Márcio Araújo e Éder Luís poderiam tê-la feito, mas não sabem, sei lá, não querem fazer. O único jogador que faz esse tipo de jogada atualmente, mesmo assim só de vez em quando, é o Thiago Feltri (lembre-se dos dois pênaltis que ele sofreu recentemente), mas todo mundo vaia o sujeito.

Há, porém, um jogador que já passou pelo Atlético e que sabia fazer esse tipo de jogada com maestria. Não que ele seja a solução de tudo, mas acho que seria uma excelente peça no elenco: Danilinho. O problema de Danilinho é a estigma que pesa sobre ele, a de torcedores preconceituosos que o incluem entre um agrupamento místico e inerentemente ruim chamado “geração Série B”, uma grande bobagem que inventaram aí.

Acabou-se o que eu tinha pra dizer.

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