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A chatura Kelsen

Já presenciei várias vezes este mesmo fenômeno: há um grupo de amigos ou proto-amigos conversando alegremente sobre o conservadorismo, o tradicionalismo, o anti-comunismo, o liberalismo econômico, o livre-mercado, a filosofia olavista. É um momento incrível porque para todos ali é sempre tão difícil encontrar alguém com quem conversar sobre esses assuntos.

Eis que um deles fez faculdade de direito. Tendo feito faculdade de direito por acreditar que essa lhe traria algum conhecimento (já que todos os filósofos de antigamente faziam faculdade de direito!) esse sujeito que fez faculdade de direito, ao contrário dos demais, não toma conhecimento de que a sua faculdade é uma nulidade, uma vergonha, uma época da sua vida jogada fora – e crê que são valiosos os conteúdos que lhe foram transmitidos pelos professores que estão ali para ajudar os alunos a se preparem para o exame da OAB.

Começa a falar de Kelsen. A teoria pura do direito, hermenêutica, filosofia do direito. A conversa desanda. Ninguém sabe o que dizer. A filosofia pura do direito não está errada porque é apenas uma lógica pura, e como tal não pode ser refutada; e por não ter qualquer relação com o mundo não há como puxar um outro assunto a partir dela e sair daquele território. Os jovens filósofos perdem ali as próximas duas horas falando de Kelsen, Kelsen. Uma presença que os ofende, que parece errada, que tem tudo para estar errada, mas está certa. Certa e inútil, ela lhes devora as idéias, que são digeridas pela teoria pura do direito.

É imperativo estabelecer esta regra: só é permitido falar de Kelsen se suas idéias não forem abordadas ou levadas em conta. Apenas elogios ou ofensas serão tolerados: Kelsen era um bom homem; Kelsen era um bobão. Pronto.


Eis aqui um exemplo gravado do fenômeno descrito acima: https://www.youtube.com/watch?v=CKb8Ij5ThvA: o Flavio Morgenstern todo simpático, elogiando o outro, falando coisas interessantes sobre o mundo; e o outro, que devia ser amigo dele antes de entrar para a faculdade de direito, começa a falar de Kelsen, com bastante confiança de que aquilo é relevante, e dá-lhe Kelsen, filosofia do direito, toda essa chatice tremenda.

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