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Jofer

Jofer era um jogador diferente. À primeira vista não, parecia igual, um volante combativo, perseguia os atacantes adversários implacavelmente, um bom jogador. Mas não era essa a característica que diferenciava Jofer. Jofer era, digamos, um chutador.

Começou numa semifinal de um torneio de juniores. O time de Jofer precisava do empate e estava sofrendo uma baita pressão do adversário, mas o jogo estava 1 a 1 e parecia que ia ficar assim mesmo, daquele jeito futebolístico que parece, parece mesmo. Só que aos 46 do segundo tempo tomaram um gol espírita, Ruizinho do outro time saiu correndo pela esquerda e, mesmo sendo canhoto, foi cortando para o meio, os zagueiros meio que achando que já tinha acabado mesmo, devia ter só mais aquele lance, o árbitro tinha dado dois minutos, Ruizinho chutou, marcou e o goleiro, que só pulou depois que já tinha visto que não ia ter jeito, ficou xingando.

A bola saiu do meio e tocaram para Jofer, ninguém nem veio marcá-lo, o outro time já estava comemorando, e com razão, o juiz estava de sacanagem em fazer o jogo continuar, já estava tudo acabado mesmo. Mas não, estava certo, mais um minuto de acréscimo, justo. Em um minuto dá pra fazer um gol. Mas como? Jofer pensou nas partidas da NBA em que com alguns centésimos de segundo faltando o armador jogava de qualquer jeito para a cesta e às vezes acertava. De trás do meio de campo, será? Não vou ter nem força pra fazer chegar no gol. Vou virar piada, melhor tocar pro Fumaça ali do lado e a gente perde sem essa humilhação no final. Mas, poxa, e daí? Vou tentar mesmo assim, qualquer coisa eu falo que foi um lançamento e daqui a uns dias todo mundo esquece. Olhou para o próprio pé, virou ele de ladinho, pra fora e depois pra dentro (bom, se eu pegar daqui, direitinho, quem sabe?), jogou a bola pro lado e bateu. A bola subiu escandalosamente, muito alta mesmo, deve ter subido uns 200 metros. Jofer não tinha como ter a menor noção. Depois foi descendo, o goleirão voltando correndo para debaixo da trave e olhando pra bola, foi chegando e pulando já só pra acompanhar, para ver, dependurado no travessão, a bola sair ainda bem alta, ela bateu na rede lateral interna antes de bater no chão, quicar violentamente e estufar a rede no alto do lado direito de quem olhava.

Mas isso tudo foi sonho do Jofer. Sonhou acordado, numa noite em que demorou pra dormir, deitado na sua cama. Ficou pensando se não seria fácil, se ele treinasse bastante, acertar o gol bem de longe, tipo no sonho, e se não dava pra fazer gol assim. No dia seguinte perguntou a Brunildinho, o treinador de goleiros. Era difícil defender essas bolas, ainda mais se elas subissem muito, o goleiro ficava sem perspectiva, o vento alterava a trajetória a cada instante, tinha efeito, ela cairia rápido, mas claro que não valia à pena treinar isso, a chance de acertar o gol era minúscula. Mas Jofer só ia tentar depois que treinasse bastante e comprovasse o que na sua imaginação parecia uma excelente idéia.

Começou a treinar todos os dias. Primeiro escondido, por vergonha dos colegas, chegava um pouco antes e ficava lá, chutando do círculo central. Ao menor sinal de gente se aproximando, parava e ia catar as bolas. Depois, quando começou a acertar, perdeu a vergonha. O pessoal do clube todo achava engraçado quando via Jofer treinando e depois ouvia a explicação da boca de alguém, ninguém levava muito a sério, mas também não achava de todo ridículo. O pessoal ria, mas no fundo torcia praquilo dar certo, mesmo.

Aconteceu que num jogo que não valia muita coisa, empatezinho feio, aos 40 do segundo tempo, a marcação dos adversários já não estava mais pressionando, todo mundo contente com o empate e com vontade de parar de jogar já, o Henrique, meia-esquerdo, humilde, mas ainda assim um pouco intimidante para Jofer (jogava demais), tocou pra ele. Vai lá, tenta sua loucura aí. Assumiu a responsabilidade do nosso volante introspectivo. Seria mais verossímil se Jofer tivesse errado, primeira vez que tentou, restava muito tempo ainda pra ele ter a chance de ser herói, ninguém acerta de primeira, mas ele acertou. Quase como no sonho, Lucas, o goleiro, não esperava, depois que viu o lance, riu-se, adiantou-se para pegar a bola que ele julgava que quicaria na área, mas ela foi mais pra frente, mais e mais, daí Lucas já estava correndo, só que começou a pensar que ela ia pra fora, e ele ia só se dependurar no travessão e fazer seu papel de estar na bola. Acabou que por conta daquele gol eles terminaram em segundo no grupo daquele torneiozinho, ao invés de terceiro, e não fez diferença nenhuma.

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